A Invariância das Equações de Maxwell nas Transformações de Lorentz

Ao estudarmos os Campos Elétricos e Magnéticos observamos que as propriedades relacionadas ao Campo Elétrico são propriedades puramente eletrostáticas, ou seja, estudamos as propriedades elétricas da matéria sem se preocupar com o movimento dessas cargas.

Quando cargas elétricas começam a se movimentar pelo espaço, outros fenômenos começam a aparecer.

Como exemplo disso, temos a Força Magnética que age sobre uma carga elétrica quando esta movimenta-se com velocidade. Vimos que a Força só existe quando a carga elétrica possui além de velocidade, uma direção de movimento com alguma componente perpendicular às linhas de Campo Magnético.

Porém em nosso estudo sobre Magnetismo nunca nos perguntamos sobre em relação ao que, ou a qual referencial estamos medindo a velocidade da partícula. Claro que quando definimos o vetor Campo Magnético, ao escolhermos o vetor velocidade da partícula, implicitamente está escolhido o sistema de referência, mas ainda assim não existe nenhuma informação sobre qual o referencial adotado para medirmos tal velocidade.

Pensaremos num problema envolvendo corrente elétrica num condutor quando observada a partir de dois diferentes pontos de vista, o primeiro de um referencial em repouso em relação ao fio e o outro de um referencial com velocidade em relação a esse fio que transporta a eletricidade.

Temos então um fio feito de cobre, inicialmente sem qualquer corrente o percorrendo

Disponível na íntegra em https://youtu.be/1TKSfAkWWN0

Pensando em sua constituição microscópica, tal fio é formado por cargas positivas e negativas em igual número, já que se trata de um condutor eletricamente neutro.

Disponível na íntegra em https://youtu.be/1TKSfAkWWN0

Em seguida vamos pensar em como seria o movimento de cargas elétricas nesse condutor, cargas positivas movimentando-se para a direita e cargas negativas movimentando-se para a esquerda no interior do condutor, ambas com velocidade de intensidade igual a v.

Disponível na íntegra em https://youtu.be/1TKSfAkWWN0

Podemos escrever a corrente elétrica nesse condutor como sendo

    \[I=\frac{\Delta Q}{\Delta t}\]

Iremos escrever agora uma relação que será bastante útil para nossos propósitos, utilizando o comprimento do condutor

    \[\lambda = \frac{\Delta Q}{\Delta l}\]

Chamaremos de densidade linear de carga por unidade de comprimento, denotada aqui por λ. Estamos supondo para tal, que as cargas dentro do condutor estão bem próximas umas das outras, de maneira que λ é uma quantidade constante.

Temos então uma densidade linear (λ) para as cargas positivas, e uma densidade linear (-λ) para as cargas negativas.

Assim podemos reescrever a expressão para a corrente elétrica como sendo

    \[I=\frac{\lambda\cdot \Delta l}{\Delta T}\]

E então

    \[I = \lambda v\]

Como existe movimento de cargas nos dois sentidos, então a corrente líquida no condutor é para a direita e tem magnitude

    \[I_{Total} = \frac{ \mid \Delta Q_{+}\mid +\mid\Delta Q_{-} \mid}{\Delta t} = 2\lambda v\]

Em seguida, uma carga elétrica q é colocada a digamos uma distância r do fio percorrido por eletricidade.

Essa carga possui uma velocidade que chamaremos de u para a direita, sendo v.

Olhando de um referencial fixo que chamaremos de S, onde o fio permanece estático, não observaríamos qualquer força elétrica agindo sobre essa carga externa. Isso ocorre porque nesse referencial o fio permanece neutro, uma vez que as cargas positivas e negativas se anulam, já que estão em mesma quantidade.

Vamos estudar então o que ocorre com a carga elétrica externa a partir de seu referencial.

Num referencial S’ que se move em relação ao referencial S com uma velocidade u, a carga elétrica está em repouso. Assim, utilizando a regra da adição de velocidades de Einstein, podemos obter a velocidade da carga elétrica q em relação as duas linhas de carga do fio.

Temos então, para a linha de cargas positivas

    \[\mathit{v_{+}} = \frac{v+u}{1+v\cdot (\frac{u}{c^{2}})}\]


E para a linha de cargas negativas

    \[\mathit{v_{-}} = \frac{v-u}{1-v\cdot (\frac{u}{c^{2}})}\]


Lembrando que pela contração dos espaços, o tamanho do fio observado pela carga elétrica positiva externa ao fio, seria calculado pela relação

    \[\Delta l = \frac{\Delta l_{p}}{\gamma}\]

Se o fio se contrai nesse referencial, e sua quantidade de carga total deve permanecer constante, isso só pode significar um aumento na sua densidade linear de carga.

Como

    \[\lambda = \frac{\Delta Q}{\Delta l}\]

e

    \[\lambda_{p} = \frac{\Delta Q}{\Delta l_{p}}\]

 

Escrevendo

    \[\Delta l_{p} =\gamma \Delta l\]

 

e substituindo em

    \[\lambda_{p} = \frac{\Delta Q}{\Delta l_{p}} =\frac{\Delta Q}{\gamma \Delta l}\]

Temos

    \[\gamma\cdot \lambda_{p} =\frac{\Delta Q}{ \Delta l}\]

Então

    \[\lambda =\gamma \lambda _{p}\]

O que faz sentido, já que se o fio diminui de tamanho de um fator γ, quando observado de um referencial que se move, junto da carga externa, sua densidade deve aumentar pelo mesmo fator.

Novamente, por conta das duas densidades de carga, teremos

    \[\lambda =\gamma \lambda _{p}\]

    \[\lambda_{-} =\gamma _{-}\cdot (-)\lambda _{p}\]

O sinais entre parênteses indicam a carga da densidade linear.

Os sinais para \gamma indicam as velocidades medidas a partir de S’ para cada uma das linhas de carga.

Para o cálculo de cada valor de \gamma utilizaremos as expressões de velocidade medidas a partir do referencial S’

Portanto

    \[\gamma _{+} = \frac{1}{\sqrt{1-\frac{1}{c^{2}}(v-u)^{2}(1-\frac{vu}{c^{2}})^{-2}}}=\frac{c^{2}-vu}{\sqrt{(c^{2}-vu)^{2}-c^{2}(v-u)^{2}}}\]

    \[\gamma _{+}= \frac{c^{2}-vu}{\sqrt{(c^{2}-v^{2})(c^{2}-u^{2})}}=\gamma\cdot \frac{1-\frac{uv}{c^{2}}}{\sqrt{1-\frac{u^{2}}{c^{2}}}}\]

    \[\gamma _{-} = \frac{1}{\sqrt{1-\frac{1}{c^{2}}(v+u)^{2}(1+\frac{vu}{c^{2}})^{-2}}}=\frac{c^{2}+vu}{\sqrt{(c^{2}+vu)^{2}-c^{2}(v+u)^{2}}}\]

    \[\gamma _{-}= \frac{c^{2}+vu}{\sqrt{(c^{2}-v^{2})(c^{2}-u^{2})}}=\gamma\cdot \frac{1+\frac{uv}{c^{2}}}{\sqrt{1-\frac{u^{2}}{c^{2}}}}\]

    \[\lambda _{Total} =\lambda _{+}\ +\ \lambda _{-} =\lambda _{p}[(\gamma_{+})+(\gamma_{-})]= \frac{-2\lambda vu}{c^{2}\sqrt{1-\frac{u^{2}}{c^{2}}}}\]

Obtemos

    \[\lambda _{Total} = \frac{-2\lambda vu}{c^{2}\sqrt{1-\frac{u^{2}}{c^{2}}}}\]

Observe que calculada a quantidade de carga total, esta é diferente de zero. Consequentemente um campo elétrico existe ao redor do fio.

Tomando a expressão para o Campo Elétrico ao redor de um fio, temos

    \[E' =\frac{\lambda_{Total} }{2\pi \varepsilon _{0}\cdot r}\]

Esse valor para o campo elétrico ao redor de um fio, ja tinha sido obtido em nossos cálculos. Na página de Campo Elétrico o valor do campo elétrico calculado para um fio infinito é exatamente o valor acima obtido, escrito de maneira diferente por conta da forma como escrevemos a quantidade de carga. Esse é o campo elétrico “enxergado” pela carga que se move paralela ao fio.

Temos portanto para o caso da carga que se move em relação ao fio, o seguinte Campo Elétrico

    \[E' =\frac{1 }{2\pi \varepsilon _{0}\cdot r}\cdot \frac{-2\lambda vu}{c^{2}\sqrt{1-\frac{u^{2}}{c^{2}}}}\]

    \[E' =\frac{-\lambda vu }{\pi \varepsilon _{0}\cdot r\cdot {c^{2}\sqrt{1-\frac{u^{2}}{c^{2}}}}}\]

Calculando a força elétrica que atua sobre nossa carga q, obtemos

    \[F' =q\cdot E' =\frac{-\lambda vu\cdot q }{\pi \varepsilon _{0}\cdot r\cdot {c^{2}\sqrt{1-\frac{u^{2}}{c^{2}}}}}\]

A intensidade da Força que acabamos de calcular representa a interação entre o Campo Elétrico gerado pelo fio e a carga elétrica. O sinal negativo, como sabemos indica um atração elétrica entre o sistema fio-carga, já que a carga elétrica q foi tomada como sendo positiva.

Essa força existe no referencial S’ e também no referencial S, haja vista que as leis Físicas devem valer em quaisquer referenciais e portanto, não existem referenciais privilegiados.

Uma forma de calcularmos tal força no referencial S, é usando a transformação de Forças de Einstein

    \[F = \gamma ^{-1}\cdot F'= \sqrt{1-\frac{v^{2}}{c^{2}}}\cdot\frac{-\lambda vu\cdot q }{\pi \varepsilon _{0}\cdot s\cdot {c^{2}\sqrt{1-\frac{u^{2}}{c^{2}}}}}\]

    \[F = \frac{-\lambda vu\cdot q }{\pi \varepsilon _{0}c^{2}\cdot s}\]

Vamos escrever esse resultado fazendo algumas substituições, como por exemplo

    \[c^{2} = \frac{1}{\varepsilon _{0}\mu _{0}}\]

E então, a Força transformada terá a seguinte expressão

    \[F = \frac{-\lambda vu\cdot q\mu _{0}}{\pi \cdot r}\]

Lembrando que

    \[I_{Total} = \frac{ \mid \Delta Q_{+}\mid +\mid\Delta Q_{-} \mid}{\Delta t} = 2\lambda v\]

    \[\lambda v=\frac{I_{Total}}{2}\]

Substituindo em F, temos

    \[\lambda v=\frac{I_{Total}}{2}\]

Rearranjando os termos da expressão, evidenciamos

    \[F = -q\cdot u\cdot ({\frac{I_{Total}\mu _{0}}{2\pi \cdot r}})\]

O termo em vermelho é o Campo Magnético gerado no espaço ao redor do fio, que já havíamos calculado para um fio de comprimento infinito pela Lei de Ampère.

Reescrevendo as equações para as forças novamente, temos

Força elétrica em S’

    \[F' =q\cdot E =\frac{-\lambda vu\cdot q }{\pi \varepsilon _{0}\cdot r\cdot {c^{2}\sqrt{1-\frac{u^{2}}{c^{2}}}}}\]

Força Magnética em S

    \[F = -q\cdot u\cdot ({\frac{I_{Total}\mu _{0}}{2\pi \cdot r}})\]

Iniciamos nosso problema buscando uma expressão para a força elétrica que age sobre a carga q. Encontramos tal força elétrica por conta dos efeitos relativísticos somente quando a carga passou a se movimentar em relação ao fio. Essa força “sentida” pela carga q é portanto de natureza elétrica.

Porém quando estamos em repouso num referencial S, no qual o fio encontra-se parado, não observamos razões para que exista tal força elétrica já que nesse referencial, não podemos constatar nenhum efeito relativístico que justifique o aumento de densidade das cargas elétricas.

De outra forma é necessária a existência de uma força que nesse caso atraia a carga elétrica, pois o fenômeno tem que ocorrer independentemente de qual referencial observamos.

Essa força existe como sabemos, é a força magnética.

A força elétrica e magnética se relacionam por conta dos efeitos relativísticos, o que chamamos de força magnética num referencial é na verdade em algum outro referencial a força elétrica.

É fácil ver isso quando aplicamos a transformação de Einstein sobre a expressão da força elétrica.

Em nosso problema

    \[F_{Mag} = \gamma ^{-1}\cdot F'_{Ele}\]

A força magnética passa a ser vista como uma força elétrica quando vista a partir de outro referencial. No caso do problema em questão, no referencial que se move junto com a carga, a força que atua é de natureza elétrica, já que a diferença na densidade de carga ao longo do fio varia, provocando uma interação do tipo elétrica entre a carga externa ao fio e as cargas contidas no fio.

Por outro lado, para um observador que se mantém em repouso com relação ao fio, a densidade de carga do fio permanece inalterada. Sendo assim, tal observador somente pode atribuir a tal interação, um caráter magnético.

Essa é a origem da força magnética sobre a carga elétrica. A carga que viaja com velocidade v com relação ao fio, experimenta uma força de natureza elétrica quando medida a partir de seu referencial, já que nesse referencial o fio não é neutro.

O vídeo a seguir contém explicações e animações que são bastante úteis para auxiliar no entendimento dos fenômenos estudados.

 

 

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